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O Padrão Visual da Raça Fila Brasileiro e Outras Histórias - Capítulo 4

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texto integral redigido pelos fundadores, diretores e juízes do CAFIB
Airton Campbell
Américo Cardoso dos Santos Júnior
Luiz Antonio Maciel


A EPOPEIA DO COMBATE À MESTIÇAGEM E O RESGATE DA IMAGEM VISUAL DO FILA PURO

Nesta história, escrita em prosa, mas com o espírito poético da luta pela salvação de uma raça ameaçada de extinção pela mestiçagem – um perigo que ainda perdura pela tentativa de reintroduzir, mais uma vez, na criação, animais fora de padrão –, são apresentados e documentados todos os fatos e batalhas ingentes travados nos primeiros anos desse bom combate para denunciar a miscigenação, organizar formas de luta, disputar o direito de criar uma entidade que pudesse defender o Fila Brasileiro puro, difundir conhecimento técnico e elaborar o inédito Padrão Visual da nossa raça, além de um novo e definitivo padrão escrito que não só descrevesse em detalhes um Fila puro mas apontasse as faltas decorrentes da mestiçagem, verdadeiras provas de um crime continuado que quase destruiu, e ainda ameaça, por outras vias, o verdadeiro Fila Brasileiro.


Capítulo 4


Um pôster inédito

O trabalho do Padrão Visual foi iniciado em junho de 1978, sob a orientação do mestre Paulo Santos Cruz , que se baseava, além daqueles inúmeros exemplares que havia observado em suas viagens por Minas Gerais, também em suas vivas lembranças de tantos Filas criados no Canil Parnapuan e, ainda, nos participantes de destaque das muitas exposições que havia julgado. Ele contou com a colaboração de seus alunos do curso e da CAFIB, que opinavam sobre pormenores do desenho para dar mais realismo à figura e torná-la mais de acordo com o padrão, o que nem sempre a desenhista Marilda Mallet, muito envolvida com o trabalho, ou o orientador da arte, dr. Paulo, conseguiam perceber. Em geral, os artistas plásticos, assim como os escritores e redatores, muitas vezes não conseguem ver seus próprios erros. Daí a necessidade de um revisor ou de um observador não tão envolvido com o trabalho, colaboração que era desempenhada pelo grupo de alunos, entre eles, os fundadores da CAFIB, Airton Campbell, Américo Cardoso dos Santos Júnior, Marília Penteado Maruyama e Roberto Nobuhiko Maruyama.

O desenho, que mostrava a figura de um Fila Brasileiro puro, em pé e de perfil, além de conter um pormenor, com a cabeça do cão, vista de frente, foi finalmente terminado em dezembro. A partir da ilustração acabada, a CAFIB, que tinha obtido o patrocínio da Purina para publicar anúncios nas últimas páginas do boletim O Fila (lançado em dezembro de 1978), o que de fato ocorreu a partir do número 2 (janeiro de 1979), conseguiu convencer a empresa de rações a imprimir em formato de pôster o Padrão Visual, com o prestígio de sua marca comercial (logotipo) no canto inferior direito. Esta tradicional empresa de rações para animais havia sido fundada em 1894, nos Estados Unidos (com o nome de Robinson-Danforth Commission Company, alterado para Ralston Purina em 1902), tinha chegado ao Brasil em 1967 e seria comprada pela Nestlé em 2001. As negociações e o prazo necessário para a agência de publicidade da Purina preparar o material levaram algum tempo, até que, no final do primeiro trimestre de 1979, finalmente foi lançado o pôster.

Impresso em papel couché especial, medindo 60,8 cm por 46 cm, ele transcrevia, no rodapé, o texto do padrão da raça aprovado pelo Conselho Federal do BKC em maio de 1976, durante um simpósio em Brasília. Apesar de fazer diversas restrições a certos aspectos desse documento, que haviam alterado o padrão original, de 1951, para favorecer a inclusão dos numerosos exemplares mestiços registrados como Filas, a CAFIB concordou com a Purina, que insistia em publicar o padrão oficial da raça. E o único então existente era aquele, reconhecido pelo BKC e pela FCI, entidades com as quais a empresa mantinha um longo relacionamento de promoções e publicidade. Sem o padrão oficial, a Purina não imprimiria o pôster. A CAFIB, a contragosto, não teve outra opção senão ceder à exigência. A vantagem foi que, apesar dos caracteres de mestiçagem contidos no padrão escrito, o visual era o de um Fila Brasileiro puro.

epopeia

Assim, os desenhos do Fila de perfil e do detalhe da cabeça estavam liberados para serem publicados no boletim O Fila. Eles saíram na capa do número 5, Ano I, de abril de 1979 (um mês depois de a CAFIB ter comemorado um ano de atividade), com o título “O padrão visual do Fila puro”. E na página 11 foi publicada matéria a respeito, informando que “...depois de mais de seis meses de trabalho da desenhista Marilda Mallet, sob orientação do dr. Paulo Santos Cruz, a Comissão de Aprimoramento do Fila Brasileiro acaba de lançar o padrão visual do Fila Brasileiro puro com patrocínio da indústria de rações Purina”.

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Até hoje, esse padrão visual continua sendo rigorosamente seguido pelos juízes do CAFIB e por muitos outros, do mundo todo. Ou seja, ao longo de mais de quatro décadas, o melhor exemplar da raça tem sido, sempre, o mais parecido com a figura estampada no pôster, como comprovam as fotografias de cães que ilustram este texto.

CAFIB – FOTOGRAFIAS DE FILAS TÍPICOS

Este Capítulo 4 da História do Padrão Visual do Fila Brasileiro, que conta, pormenorizadamente o processo de elaboração da figura do exemplar ideal, é ilustrado com uma sequência de fotografias que cobre os mais de 40 anos de trabalho do CAFIB. E confirma a velha máxima “uma imagem vale mais que mil palavras”, demonstrando que os exemplares de destaque, desde o início de nossa seleção até hoje, apresentam exatamente o mesmo fenótipo que sempre preconizamos, independentemente de algumas eventuais (e inevitáveis) faltas de estrutura.

A primeira foto, emblematicamente, é a de Aladim da Fazenda Poço Vermelho, nascido em 15 de agosto de 1972, portanto há quase meio século, e cuja descoberta foi relatada no capítulo anterior. Além de ter sido o primeiro exemplar registrado pelo CAFIB, foi ainda o padreador de nossa primeira ninhada. Já neste capítulo, contamos os fatos que envolveram a publicação do Padrão Visual em que Aladim serviu de modelo, assim como sua participação no Calendário 1979 lançado pela secular multinacional norte-americana Purina, comprada em 2001 pela também secular multinacional suíça Nestlé. Como registro histórico, vale lembrar que o irmão de Aladim, Balaio da Fazenda Poço Vermelho, de propriedade de Fernando Zanetti Coeli, era também um expressivo reprodutor daquela época, tendo sido o pai da primeira ninhada registrada pelo Canil Parque do Castelo, de Rosely e Airton Campbell, cuja matriz foi Lorota da Colina.

Timbó do Aquenta Sol nasceu em Varginha, MG, no criatório de José Hamilton Alves Pereira, premiado com o título de Criador do Ano em 1983. Gigante da Jaguara ilustra o trabalho pioneiro do criador inglês William Frederick Chalmers (1921 – 2002), radicado em Pedro Leopoldo, MG, na histórica Fazenda Jaguara, fundada em 1724. Guaxupé Piedras de Afilar, de criação do uruguaio Daniel Balsas, atesta o bem conduzido programa de melhoramento genético do Fila Brasileiro também em outros países. Júpiter do Ibituruna exemplifica a alta qualidade dos exemplares nascidos no canil do médico radiologista dr. Paulo Angotti, um dos maiores detentores de títulos de nossos campeonatos. Forte do Parque do Castelo concentra o sangue dos principais Filas de fazenda encontrados pelo CAFIB no início dos anos 1980, pois é filho de Leão (criado pelo pioneiro João Costa, de Itanhandu, MG) em Amandi do Araguaya (filha de Sultão, criado pelo também pioneiro José Gomes, de Varginha, MG).

E não podemos deixar de destacar que alguns criadores antigos, que depois se afastaram, como Antônio Carlos Linhares Borges (Canil Caramonã), Carlos do Amaral Cintra Filho (Canil Amparo) e o já citado Fernando Zanetti (tendo estes dois últimos sido Presidentes do CAFIB), embora hoje estejam em posição de antagonismo conosco, antes criavam bons cães, em conformidade com nosso Padrão, como se pode constatar nesta sequência de fotos. Zabelê do Caramonã apresenta tipicidade e estrutura excelentes e Nagan do Amparo foi, por duas vezes, Campeão Brasileiro do CAFIB.

Lampião do Alto Quatis demonstra o excelente nível do premiado plantel de Half Fonseca Marassi no Vale do Paraíba Fluminense. Major V Guardiães do Caracu é de criação do juiz do CAFIB Marcus Flávio Vilasboas Moreira, também pecuarista e tradicional selecionador de gado Caracu em Nova Serrana, MG. Ele e seu sócio, José Wilson Vilella, de Campo Belo, MG, são titulares do Canil Guardiães do Caracu e, em nosso Campeonato Mundial 2019, conquistaram os prêmios de Criador do Ano e de Expositor do Ano

Ressaltamos que a única fêmea desta galeria, Areia de São José da Lapa, criada por Olegário Bretas Ferreira, de Belo Horizonte, MG, foi Campeã Europeia em 2004, mostrando que os juízes do velho continente, ao julgar o Fila Brasileiro, tomam por base o Padrão CAFIB. Pacará do Itanhandu, de Cíntia e Gerson Junqueira de Barros, representa o canil mais premiado da história do CAFIB, com mais de 50 exemplares adultos em reprodução. Nesta nota não caberia toda a relação de prêmios e títulos recebidos pelo Canil Itanhandu, mas há que se registrar a conquista, por 11 anos consecutivos (de 2008 a 2018), dos troféus de Criador do Ano e de Expositor do Ano. E as nossas exposições realizadas ali, na Fazenda Guapiara, sede do criatório, têm batido recorde de inscrições, com 100 ou mais Filas em pista. Para encerrar, vindo de Aparecida de Goiânia, GO, Lyoto Fila Roots, de Alessandro Castro Bueno, além de ter sido premiado com o título de Temperamento do Ano, sagrou-se também Campeão Mundial em 2019. Daquele campeonato, realizado ao longo do ano em diversas cidades do território nacional e do exterior, participaram 443 Filas do Brasil, Uruguai, Argentina e Espanha.

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Um padrão com faltas por mestiçagem

A questão do padrão da raça, levantada pela Purina, e mais os desentendimentos crescentes com o BKC em relação ao registro de animais mestiços levaram a CAFIB a apressar a elaboração de um padrão, mais completo e detalhado, que descrevesse os caracteres de um Fila Brasileiro puro e incluísse as faltas por mestiçagem. Tanto que a edição do número 5 (abril de 1979) do boletim O Fila já anunciava: “A CAFIB já está trabalhando na elaboração de um novo padrão, que será oportunamente divulgado por O Fila”.

Curiosamente, pouco depois, em maio de 1979, deu-se um fato surpreendente. Dr. Paulo recebeu, em sua residência, na cidade de Santos, um grupo constituído pelo presidente do BKC, Ayrton Schaeffer, por seus diretores, Eugênio Henrique Pereira de Lucena e José Maurício Machline, pelo jornalista Antônio Carvalho Mendes e pelo biólogo Oswaldo Fidalgo, que relatou a reunião ao jornal O Estado de São Paulo, na coluna de Cinofilia de 26 de julho. Naquele texto, Fidalgo revela sua surpresa por esses três dirigentes do BKC enaltecerem o trabalho da CAFIB, “...de alto nível técnico e muito superior ao de todos os clubes especializados na raça Fila Brasileiro juntos...”. Convidaram dr. Paulo para integrar uma comissão de assessoramento do BKC e, diante do espanto manifestado por ele, Lucena, além de dizer que o repúdio recentemente declarado pelo Brasil Kennel Club à CAFIB seria retirado, pediu-lhe uma solução para o problema da mestiçagem porque, nas palavras do coronel Schaeffer, “Afinal os mestiços estão aí, continuam se reproduzindo e não se pode matar todos.” Dr. Paulo, então, sugeriu incluir em um novo padrão da raça, como faltas desqualificantes, os indícios de mestiçagem. E, diante da concordância dos diretores do BKC, ele apressou os estudos sobre o novo padrão escrito, já em discussão e em elaboração por todos os membros da CAFIB, sob sua orientação, e logo o encaminhou aos solicitantes.

Para produção desse padrão escrito foi fundamental o trabalho técnico “Como distinguir um Fila puro de um mestiço”, de grande repercussão na cinofilia brasileira e internacional, escrito pelo dr. Paulo Santos Cruz para o primeiro número de O Fila, lançado em dezembro de 1978. O artigo foi pautado pelo editor Luiz Antonio Maciel para o dr. Paulo como o assunto “bomba” inaugural do boletim da CAFIB. Até aquele momento, havia uma ideia difusa da mestiçagem e da identificação de suas características, não apenas entre os proprietários e criadores de Fila, mas até entre juízes, exceto para aqueles que a praticaram e conheciam bem as transformações fenotípicas e de temperamento que haviam causado à raça.

Um fato frequente era que muitos proprietários achavam que seu cão era puro, mas o de outro expositor era mestiço, sem conseguir explicar os critérios técnicos dessa constatação. Em muitos casos, ambos os cães eram cruzados, mas cada proprietário sempre considerava “o outro” miscigenado. Uma causa dessa confusão era o fato de que um, por exemplo, era mestiço de Mastim Inglês, e o outro, de Dogue Alemão, com fenótipos diferentes, em um plantel sem uniformidade rácica devido à ampla mestiçagem. Naquele artigo, dr. Paulo examinou, detalhe por detalhe, as diferenças entre o fenótipo, o temperamento e o sistema nervoso de um Fila Brasileiro puro e de um mestiço, a partir dos cruzamentos, basicamente, com Mastim Inglês, Mastim Napolitano e Dogue Alemão, permitindo a juízes e criadores identificar as faltas por mestiçagem. Por isso, o novo Padrão da Raça Fila Brasileiro, elaborado pela CAFIB para ser adotado em todas as exposições, principalmente com a intenção de combater a mestiçagem, apresentava um texto bem mais específico e completo que o usual e, além das Desqualificações Gerais, enumerava, também, as Desqualificações por Miscigenação, detalhando, em três tópicos, as faltas decorrentes dos cruzamentos com Mastim Napolitano, com Dogue Alemão e com Mastim Inglês, conforme as explicações ministradas por Paulo Santos Cruz.

A cobiça pelo Padrão Visual

Naquele primeiro semestre de 1979, o BKC, impressionado com a enorme repercussão do Padrão Visual da CAFIB, que àquela altura já não tinha a participação de representantes do BKC/KCP/CPFB, como já foi relatado acima, questionou o presidente do CPFB – Clube Paulista do Fila Brasileiro, Armando de Souza Reis, conhecido como “Armandão”, por ter deixado que, com esse feito, sua entidade, mais antiga que a CAFIB, tivesse sido passada para trás pela ativa, e já um tanto malvista, Comissão.

A Diretoria de Marketing da Purina, então, consultou os diretores da CAFIB sobre a possibilidade de imprimir mais 3.000 cópias desse pôster, a pedido do Armandão, mas agora estampando nele também os logotipos do BKC e do Clube Paulista do Fila Brasileiro e ampliando sua distribuição para todo o território nacional. Esta proposta foi amplamente discutida pelos dirigentes da CAFIB, considerando a enorme meticulosidade desse nosso trabalho ao longo de mais de seis meses, pacientemente aperfeiçoado por inúmeras e sucessivas pequenas alterações e correções, sugeridas por dr. Paulo e seus alunos, e executadas com capricho pela artista.

A CAFIB também levou em consideração, ao rejeitar a proposta, a já citada maratona empreendida pelo “Pai da Raça” que, todas as semanas, no fim da tarde de sexta-feira enfrentava as diversas etapas da viagem de sua casa para São Paulo. Ele chegava ao local da reunião por volta das 19 horas e, entre as 22h e as 23h, fazia o percurso inverso para retornar à sua residência em Santos. Muitas vezes, ele ficava até pouco antes da meia-noite, horário de encerramento do funcionamento do metrô, e era levado de carro até a estação Paraíso por Roberto Maruyama que, em seguida, voltava para a reunião onde, frequentemente, o grupo ficava até o início da madrugada. Dr. Paulo seguiu essa rotina por quase 12 anos.

Vale registrar que, algum tempo depois de rejeitarmos aquela proposta do BKC e do CPFB para inserir seus logotipos no pôster, alguns integrantes da CAFIB chegaram a considerar que, sua eventual aceitação talvez tivesse significado um endosso da cinofilia dita oficial ao nosso Padrão. Mas, independentemente de especulações teóricas, a intensa vivência prática na criação e seleção da raça nos demonstrou que, com certeza, Fila Brasileiro é sempre, e unicamente, CAFIB.

O Fila Brasileiro puro no calendário da Purina

Ainda em 1979, a Purina lançou, nos Estados Unidos, um belo calendário, chamado “Cães de Todo o Mundo”, com fotografias de 12 raças caninas, originárias de diferentes países, uma para cada mês do ano. Aqui no Brasil, a empresa resolveu substituir um desses cães por um representante de uma raça nacional e decidiu que a imagem para ilustrar a folha do mês de dezembro seria a de um Fila Brasileiro. Consciente do problema da mestiçagem, o Gerente de Produto da Purina, Bernard Higgins, pediu a orientação da CAFIB para a escolha de um exemplar típico em uma ambientação rural bem brasileira. Depois de muita pesquisa sobre locais históricos da região de Taubaté, com a ajuda do proprietário do Canil Tangará-Açu, encontramos o cenário ideal em uma fazenda centenária no Vale do Paraíba e, mais uma vez, nosso então “modelo” oficial, Aladim da Fazenda Poço Vermelho – agora pelas lentes de fotógrafos profissionais e sob a supervisão de uma diretora de arte –, “posou” para centenas de imagens em diversos ambientes da propriedade.

A difícil escolha da melhor foto foi feita por Paulo Santos Cruz, reconhecidamente a maior autoridade na raça, que acabou optando pela imagem que mostrava o cão sentado ao sol, tendo ao fundo um curral antigo e algumas cabeças de gado. Ele também escreveu um texto curto, como legenda da fotografia, que acabou sendo enviada à sede da Purina, nos Estados Unidos, para que pudesse ser incluída em calendários editados em outros países.

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